22.8.12

ACIDENTE DE PERCURSO [crônicas da vida real]


Luciana Araujo Lumyx

VIDA. Palavra curta, parece uma sigla. Por pouco não me tornei a chave, a porta da passagem nessa noite. O sinal abriu e saí rápido com o carro: estava na pole position. Primeira, segunda marcha, terceira. Ainda tenho tempo de ver alguém dando saltinhos na calçada à minha direita. Súbito, por detrás de um ônibus, surge um vulto correndo na frente. Leve, arisco, claro. Talvez (um anjo e) mais alguém. TUM! Bate contra a lateral esquerda e voa em parábola, rebatendo no capô do lado direito, enquanto freio de susto. Chão. Respira, criatura! O que houve? 

Olho pra trás, ela no chão. Paro o carro no cantinho e corro para perto. Uma moça, caída de lado no asfalto, é amparada pela amiga, a tal que pulava do lado de cá da rua, gritando para que não atravessasse. Mas - agora é tarde - ela chispando ignorou o aviso, aventureira, esquecendo de olhar. Deitada no chão, ela tenta sorrir. "I'm embarassed! It was so my fault!" - me diz num inglês britânico. Achou que era mão única! 
E cobre o rosto com o moleton, numa atitude moleca. Penso: "meu deus, isso importa?" Please - eu digo - it doesn't matter! Are you all right? - como se fosse possível estar. A multidão se reúne, aconselha coisas. Não deixa ela levantar! Espera a ambulância! Ela diz que só tem dor na perna, eu tenho medo. O moço do ponto de taxi me tranquiliza: "ela foi afoita, atravessou feito louca. Você não podia fazer nada! O motorista do ônibus disse que se precisar testemunha dizendo que não foi sua culpa". De novo, papo de culpa. E ela ali deitada. Duas garotas, devem ter 20 anos. Elas me contam que são enfermeiras, vieram da Inglaterra para um estágio no Pró-Cardíaco. Eu penso que ela pensa que sabe diagnosticar se está bem só porque é enfermeira! Mas ela parece bem. Hannah é o nome dela. Um palíndromo!


Sua coluna dói? Só a perna? Mora em Birmingham. Perto da minha mãe. Ambulância, maca. Pedem: "explica para ela que vamos virá-la de decúbito dorsal". Nem dá tempo. Com o movimento, a dor aparece, ela grita MUITO de dor. Imobilizador, aquele quadrado aparafusado em volta da cabeça. Que medo - eu grito por dentro - será a coluna? Ela vai na maca, enquanto falo com os policiais escuto dizerem: "desconfiam que tenha fraturado a bacia". Pesadelo. Estou no meu bairro, me sinto em casa. E ela??? Foi-se a ambulância......................Pego o carro, adrenalina reversa. 

9a DP e depois Miguel Couto. Não foi minha culpa, mas e daí? Quero saber como ela está. Está no Raio X. Me dizem que aparentemente não foi fratura. Que alívio! Bom, nada mais a fazer. A médica supervisora brasileira fala inglês e a sua colega nurse está com ela. São carinhosas, trocamos telefones, me dêem notícias, por favor. VIDA. É assim. Quem diria, vem lá da Grã-Bretanha estagiar como enfermeira, acaba no hospital no papel de paciente. Paciência. Vou pra casa, cheguei há pouco. Anjos existem. O meu e o dela compareceram hoje. Mão inglesa também já me confundiu. Mas só pra segurar a onda, vai cair bem um uisquezinho.
........................................
De fato, aconteceu. Crônicas da vida real.

Nenhum comentário: